Palavras!
  • Início
  • Crônicas
  • PoeticaMente
  • Literatura
  • Clássicas
  • amor
Sem resultado
Ver todos os resultados
Palavras!
  • Início
  • Crônicas
  • PoeticaMente
  • Literatura
  • Clássicas
  • amor
Sem resultado
Ver todos os resultados
Palavras!
Sem resultado
Ver todos os resultados

A culpa é do Cupido

12 de março de 2022
Em Crônicas
Apolo perseguindo  Dafne, pintura de Theodoor van Thulden

Apolo perseguindo Dafne, pintura de Theodoor van Thulden

Conta-se que Apolo ─ o deus do Sol, da Poesia, da Música e até da Justiça ─ viveu uma infinita paixão pela ninfa Dafne. Na verdade, não era apenas paixão: era amor. Infelizmente, Dafne não dava bolas para Apolo:  fugia dele como o Diabo foge da cruz. Era Apolo correndo atrás da Ninfa e ela o rejeitando.  Na realidade, voavam:  ela voando nas asas do medo; ele nas asas do amor.

Apolo sofria terrivelmente dos infortúnios do amor ─ aquilo que os românticos do século XIX chamavam de spleen! Pensemos nas dores que ele sofria no infindável desejo de   conquistar a ninfa insensível. Se você já foi ignorado ou rejeitado por uma  pessoa a quem  você amou  pode  imaginar a dor de Apolo. Eu bem sei dessas dores… e concordo em parte com Drummond quando escreveu sobre a ferida provocada pelo amor: “Essa ferida, meu bem, / às vezes não sara nunca / às vezes sara amanhã” Esse “sara amanhã” foi só uma generosidade do Poeta de Itabira para nos consolar ─ porque dor de amor não sara nunca!  Tanto é que não há indícios de que Apolo tenha esquecido deste amor e partido para outro.

Lembrei-me agora de uma amiga, sexagenária, que em um dia de descontração em uma festa, me confessou que, embora sendo casada há mais de 30 anos ainda nutria ─   a toda força ─  paixão,  amor e  tesão por um rapaz a quem ela era apaixonada antes de conhecer a atual marido. Apesar dos trinta anos de casada, segundo a minha amiga, a dor da separação forçada por esse rapaz ainda era forte dentro dela. E mesmo ao lado do esposo, fosse nos momentos de gozo ou de dor, era no rapaz   que ela pensava. Não só pensava: ainda o amava e sonhava lindos momentos de amor ao lado dele. A ferida da separação ainda estava aberta e doía terrivelmente.  Doía porque o verdadeiro amor da vida não se concretizara. Doía porque ela ainda achava que a felicidade plena só ocorreria se pudesse viver com este rapaz do passado.

Mas, voltando aqui ao mito de Dafne e Apolo: dizem os especialistas em mito  que Apolo fez de tudo para conseguir o amor da ninfa insensível e não conseguiu. Quanto mais ele tentava conquistá-la, mais ela o ignorava e fugia. Sim, Apolo sofreu; Dafne também. E todo esse sofrimento foi causado pelo Cupido que sacaneou com Apolo. O deusinho do amor disparou uma flecha com a ponta de ouro no coração de Apolo, e para zoar, disparou no coração de Dafne uma flecha com uma ponta de chumbo. A flecha de ouro motivou o amor que Apolo sentia por Dafne; a de chumbo causou a repulsa da Ninfa ao amor de Apolo. Veja que baita sacanagem do Cupido! Não dava para ele ter desferido as duas flechas com ponta de ouro?

 Pois esse patife do amor pregou uma peça assim em um grande amigo meu que há poucos dias tinha rompido o medo e tinha declarado o amor à mulher a quem ele amava secretamente há anos. Infelizmente, a mulher o repeliu. Hoje ele vive naquela fossa dos ultrarromânticos do século XIX: um degenerativo spleen, um spleen tão baudelairiano que faria, caso fosse vivo, o nosso Álvares de Azevedo sentir pena do meu amigo,  porque o sofrimento amoroso dele  seria infinitamente superior ao de Álvares.

Eu, a custo de consolar, disse ao meu amigo    que a culpa dessa ferida amorosa não era dele, nem da moça a qual ele tinha se apaixonado e declarado o amor. A culpa era do Cupido. Falei em tom de brincadeira para tentar trazer uma nesga de bom humor ao esse moribundo do amor. Meu flébil amigo ouviu o meu consolo mítico em silêncio.

Hoje, passados uns quinze dias depois da confissão do meu amigo, enquanto eu fazia minha caminhada matinal, encontrei-o também caminhando vindo em direção oposta à minha.  Fiquei contente em vê-lo. Achei que a dor amorosa tinha passado. Afinal, voltar à rotina seria um bom exemplo de resiliência.

─ E aí, companheiro! Pelo visto a dor de amor já acabou! ─ exclamei bonachão.

─ Acabou uma ova, cara!  Não consigo me alimentar, nem trabalhar… não tenho ânimo… essa dor não vai acabar nunca.

Enquanto meu desventurado amigo lastimava, eu percebi que ele estava mais magro, os cabelos despenteados, um traje que em nada lembrava a roupa fitness que sempre usara nas caminhadas matinais. Ele mais parecia aqueles moribundos que, não tendo mais que se preocupar com estética e sem autoestima   limitam-se a usar bermudão samba-canção amarfanhado e camisa social feiosa, seja em casa, ou em ambiente público. Meu amigo estava realmente na fossa! 

Tive vontade de repetir a ele que a culpa era realmente do Cupido. Não tive coragem. Não sei consolar alguém com dor de amor. Meu amigo foi se afastando de mim e continuou a andar cabisbaixo e sem vida.

Fiquei alguns minutos parado olhando para aquele ser doente do sentimento nobre, tal qual Apolo. Pensei na puta sacanagem que o Cupido costuma fazer com certas pessoas. Por que que esse vândalo do amor não acerta duas flechadas de ouro  nos corações das duas pessoas que ele escolhe como vítima?  Voltei à realidade.  Por que é que os corações não são iguais? Por que… por que… por que não conseguimos entender a razão que motiva o  furor da  pessoa que recebeu a declaração de amor ao declarante? Por que a rejeição a quem declarou o amor?  Por que não conseguimos entender que se um não quer dois não se amam?

Vald Ribeiro

(vald@palavras1.com.br )

Tags: amor
Pin57Scan
Anterior

Dia seis: aniversário de mês!

Próxima

O dilúvio

ARTIGOS RELACIONADOS

IMAGEM: REPRODUÇÃO
Crônicas

Bolsonaro mulherfóbico

ILUSTRAÇÃO: VALD RIBEIRO
Crônicas

PSDB a ver navios

Crônicas

Bruno e Dom: ausentes!

GRAVURA: VALD RIBEIRO
Crônicas

Veneno nosso de cada dia nos dai  hoje

IMAGEM: DOMÍNIO PÚBLICO,  COMMONS
Capsula do tempo

Crônica de Machado de Assis publicada em 15 de maio de 1884

FOTO: DIVULGAÇÃO
Crônicas

Que a pergunta “Quem mandou matar Marielle?”  não se transforme numa eterna aporia

Próxima
GRAVURA: VALD RIBEIRO

O dilúvio

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Eu concordo com os Termos e CondiçõesPolítica de privacidade.

  • INÍCIO
  • Política de privacidade
  • amor
  • Crônicas
  • Literatura
  • PoeticaMente
  • Expediente

© 2022 Todos direitos reservados a Palavras!. O conteúdo deste site não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização do editor de Palavras!

Sem resultado
Ver todos os resultados
  • Capa
  • Crônicas
  • PoeticaMente
  • Literatura
  • Clássicas
  • Capsula do tempo
  • Política de privacidade
  • Expediente

© 2022 Todos direitos reservados a Palavras!. O conteúdo deste site não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização do editor de Palavras!

Este site usa cookies. Ao continuar, você aceita a política de monitoramento de cookies. Para mais informações, consulte nossa Política de privacidade.