Estou ansioso para ver José de Alencar e Rachel de Queiroz desfilando na Sapucaí este ano. O interessante é a disparidade de anos que separam os dois: Alencar Nasceu em 1829 e Rachel em 1910. Mas há muitas coisas que os unem. A primeira é que os dois, além de ser conterrâneos, são parentes: a avó materna de Rachel era prima-avó de José de Alencar. Outro elemento comum está na escrita literária: ambos primaram por inserir elementos regionais em suas obras. Basta observar, por exemplo, Iracema e O Quinze. Outra semelhança é que Alencar era romancista, cronista e jornalista; Rachel também. E para fechar as coincidências: ambos tiveram a honra de ser membro da Academia Brasileira de letras.
Como eu ia escrevendo: eu estou ansioso por ver os dois na Sapucaí. É que a União da Ilha vai levar para a avenida um samba-enredo que retrata o Ceará. E pelo o que dizem, a Escola vai fazer uma grande homenagem aos dois escritores. Aí que reside a minha curiosidade! A começar pelo título do samba-enredo: “A peleja poética entre Rachel e Alencar no avarandado do céu”. Veja que o título é sugestivo e nos faz pensar nos dois escritores se duelando poeticamente na Avenida. No bom linguajar nordestino “peleja” é luta, é duelo. O termo naturalmente remete aos títulos dos livretos de literatura de cordel a querida tricolor deverá levar, quem sabe, uma ala de cordelistas.
Mas a peleja que a Ilha vai contar, provavelmente, será uma peleja feliz porque o título indica que a ação será num “avarandado do céu”. E o que é a varanda senão um lugar de deleite? Fico imaginando os dois neste local livre… imagino que a representação será no mesmo carro alegórico.
Aliás, por falar em peleja a, Paraíso do Tuiuti vai levar para a avenida uma peleja também 100% cearense. A Azul e Amarelo de São Cristóvão tem uma ala coreografada cujo nome é “A peleja entre o bode da resistência e a coxinha ultraconservadora”. Ceará em alta neste carnaval carioca! Oss coxinhas… em baixa. Certamente ficarão furiosíssimos com esse samba-enredo.
Carnaval que vai deixar a galera conservadora P. da vida porque a Mangueira e a Tuiuti vão explorar temas sociais com menções a ícones que eles detestam. Já imaginou a cara de um bolsonarista ao ver a Mangueira citando o nome de Marielle Franco ou a Tuiuti com a ala dos coxinhas? E diz o coreógrafo que os “coxinhas” da ala vão fazer aquele gesto medonho da arma com as mãos. Será coisa para todo Bolsonarista botar defeito e para socialista nenhum botar defeito!
Mas o carnaval está aí. Momento para que a gente dê pausa em nossas tristezas individuais e sociais. E, como o ano passado foi carregado e este começo de ano também, conforme afirmou um babalorixá, temos que entrar na folia mesmo, desopilar o cérebro, botar o luto para escanteio e manter aquela fé que Gonzaguinha nos mostrou de “viver” — nem que seja por momentos no carnaval — e sem ter “vergonha de ser feliz”. A Império Serrano vai levar essa música como samba-enredo este ano. Como ela abrirá o desfile, a música será um belo recado para nós: que neste carnaval — e em toda nossa vida possamos viver sem “ter a vergonha de ser feliz”. Afinal, o que é a vida? “Ela é maravilha ou é sofrimento? / Ela é alegria ou lamento?”. Todas as escolas vão discutir essas coisas na avenida. A música de Gonzaguinha transformada em samba-enredo pela Verde e Amarelo de Madureira servirá de índice para os três dias de folia na Sapucaí.
Vald Ribeiro
27 de fevereiro de 2019