─ Olha lá mais um suicida! ─ disse-me uma senhora de uns sessenta anos que estava, tal qual a mim, prestes a entrar no banco. Ela mantinha uma distância segura de uns três metros de mim. Eu de máscara; ela também. Olhei para a direção em que ela apontava. Era uma mulher de uns quarenta e poucos anos que andava tranquila e sem a proteção facial no outro lado da rua.
─ Suicida? ─ indaguei a ela entre um sorriso amarelo.
─ Sim. Não só suicida… mas assassina! Você ainda não percebeu que estas pessoas que insistem em não usar máscara são suicidas? Olha mais duas pessoas andando sem máscara! E aquele senhor gordo e com dificuldades de andar deve ser diabético. E tá lá andando sem máscara. Suicida em potencial. Pega o coronavírus e… e… pimba! Morte na certa!
─ Realmente. Ele é uma vítima em potencial. ─ respondi.
─ Agora reflita aí, meu amigo, se uma pessoa daquela não é suicida! Claro que é. Decidiram morrer! Não tem cabimento. Tem a televisão aí informando toda hora sobre os cuidados para se prevenir dessa doença, tem as rádios, tem cartaz espalhados por aí mandando as pessoas se prevenirem. E aí a gente depara com irresponsáveis como esses aí na rua. Não é por falta de informação não.
─ A senhora tem razão. Será que não perceberam que a melhor forma de se livrar da dessa doença são as medidas preventivas?
─ E são assassinos. Assassinos de alto potencial… porque um energúmeno como aquele rapaz que tá passando ali sem máscara pega a doença na rua, leva para a família, para a mãe, pai, uma criança o avô, vizinho. Pronto! Contaminam os inocentes! E lá vai esses inocentes pro mundo dos mortos. Eu fico revoltada com uma coisa dessas. Assassinos! Não se contentam em se matar e ainda querem matar os outros.
Balancei meio sem graça a cabeça como quem aprovava a ideia. Eu ainda estava aturdido com o ponto de vista radical daquela simpática senhora. Lembrei-me do relato de um médico em um debate de um canal de notícias. Resolvi contar para ilustrar aos argumentos dela:
─ Semana passada eu estava assistindo a um programa em que um médico citava uma jovem que contraiu o coronavírus e passou para a mãe. A filha não acreditava na doença. As duas foram internadas na UTI. A mãe não suportou a doença e morreu, logo. A moça durou um pouco mais. Segundo o médico, ela, com voz já fraca, antes de ser entubada chorava pedindo perdão à mãe porque que tinha sido a responsável pela morte dela. A mãe tinha morrido, mas a filha continuava desesperadamente pedindo perdão… a moça morreu dias depois…
─ Olha aí a prova. Tem umas três semanas que o marido da minha prima morreu dessa doença. E ela tá internada até hoje. Eles são de uma igrejinha que estava se reunindo mesmo com proibição de cultos… e não era pros membros usar máscara não porque a doutrina da igreja dizia que a proteção vinha do alto e não de pano na cara. Resultado foi esse aí. Já a igreja em que congrego teve a responsabilidade de respeitar o isolamento e o uso de máscaras.
─ É uma pena que tenha ainda igrejas desrespeitando o isolamento. Não são todas. Mas tem. Infelizmente. O bom é que estamos fazendo a nossa parte.
─ Sim, meu filho. Continue assim. E se afaste dos suicidas-assassinos. Olha mais um passando ali pela rua! ─ disse ela amavelmente enquanto entrava no banco, sempre guardando um distanciamento seguro de mim e das demais pessoas.
Entrei segundos depois. Fiquei pensando seriamente no ponto de vista daquela senhora, no epíteto criado por ela para os humanos que ainda ignoram a pandemia: “suicidas-assassinos”. “Suicidas-assassinos”. “Suicidas-assassinos”. A palavra macabra reverberando em meu cérebro enquanto me dirigia ao caixa-eletrônico.
Vald Ribeiro
(vald@palavras1.com.br)
14 de julho de 2020