• CAPA
  • Expediente
sábado, 6 de março de 2021
Palavras!
  • CAPA
  • Crônicas
  • PoeticaMente
  • Clássicas
  • Amor
  • Política
Sem resultado
Ver todos os resultados
  • CAPA
  • Crônicas
  • PoeticaMente
  • Clássicas
  • Amor
  • Política
Sem resultado
Ver todos os resultados
Palavras!
Sem resultado
Ver todos os resultados
Capa Crônicas
Por causa do leite condensado do presidente

Ilustração: Vald Ribeiro

Por causa do leite condensado do presidente

26 de janeiro de 2021
Em Crônicas
A A

João Messias abriu orgulhosamente  mais uma caixinha de leite condensado. Muito mais  que em qualquer outra situação, sentia-se um bolsonarista raiz  quando abria a embalagem desse leite e a espargia sobre o pão até que o precioso creme doce escorresse   generosamente   e derramasse pelas bordas do pão, que previamente tivera  o miolo  retirado, conforme o presidente gostava.

Há dois anos, quando soube que Jair Messias Bolsonaro, o excelso presidente da República, era fã de leite condensado, também  passara a ser um contumaz consumidor dessa iguaria. Além disso, embora averso à barracas de fast food de pobre, passara a comer pastel e tomar caldo de cana rotineiramente, tal qual o presidente fazia. Mas de todos os hábitos espelhados no seu ídolo nenhum era maior que o uso de leite condensado. Por dia, chegara a consumir o conteúdo de três  caixinhas desse acepipe. Não usava apenas no pão, mas em quase todas as massas desde cuscuz, bolos doces a tortas  salgadas. Até mesmo os famosos coquetéis que ele fazia tinha que ter um toque de leite condensado.

Mas nesta manhã, após os sites  replicarem que o presidente gastara ano passado R$ 15.641.777,49 em leite condensado, não conteve a emoção, durante o café da manhã. A emoção se materializou  quando a esposa levava à mesa a garrafa térmica com o café fortíssimo, conforme o marido sempre exigia.

─ Meu Leitinho Condensado,  ─ era o apelido carinhoso que ele dera à esposa desde 2018  ─  você fica reclamando de mim, porque tenho gastado tanto com leite condensado, veja aqui quanto o nosso presidente gastou só com essa gostosura: quinze milhões, seiscentos e quarenta e um mil, setecentos e…

─ O quê? Mais de quinze milhões apenas com leite condensado, Evaristo? Dinheiro que poderia ser usado para ajudar no combate da pandemia e tu acha isso lindo e ainda fala com orgulho?

─ Mais meu Leitinho, o…

─ Não me chama de meu Leitinho, por favor! Já falei para tu mais de mil vezes.

─ Tá bom, Letícia. Tu tá se tornando uma comunista de primeira. Deve ser de tanto assistir à  excomungada da Rede Globo esta televisão comunista de uma figa.

─ Já não aguento mais esse troço de leite condensado em tudo. Tu viu que no mês passado tu  comprou foi sete caixas fechadas de leite condensado? Cada caixa com 27 unidades de quase quatrocentas gramas? Tô farta disso! Tudo teu tem que ter leite condensado!  E empregada deve rir da gente direto quando vai lavar os lençóis nossos, os tapetes da sala tudo sujo dessa porcaria de leite condensado!

─ Porcaria não. Respeite o meu gosto e o de nosso presidente!

─ Nosso presidente o quê, seu maluco? Tu e ele não passam de dois desajustados mentais! Tem cabimento o teu gasto aqui com isso? ─ apontou a caixinha do acepipe do marido na mesa ─ Tu só pode ser apaixonado por Bolsonaro para seguir loucamente os hábitos dele.

─ Me respeite! Porque tu sabe bem que sou muito macho. Não me faça te provar agora.

─ Eu já falei! Ainda vou te deixar por causa do  tal  leite condensado do presidente, como tu fala. ─ Por ser bolsonarista raiz e para demonstrar mais intimidade com o nobre hábito do grande Bolsonaro, Evaristo sempre referia à guloseima como “leite condensado do presidente”.                                                                                                                                                                                      

Resignada,  Letícia  não replicou a ameaça do marido ─  que nos últimos dois anos se tornara agressivo.  dirigiu-se para o quarto. Sempre, depois de cumprir a rotina matinal de preparar o café para o marido, voltava para a cama para curtir um pouquinho mais a manhã antes de se levantar para faina diária de dona de casa,  também porque a  partir das oito horas, tinha que abrir a porta para a empregada.  Contente, o marido voltou-se ao celular para ver os gastos do presidente, ou melhor, dos órgãos do Poder Executivo, com despesas alimentares: 1,8 bilhão em alimentos. Nem tivera tempo de falar para esposa que os  gastos com leite  condensado, dentre outros alimentos,   não eram para o palácio residencial do Presidente, mas para todo o Executivo.

À noite, extenuado pelo árduo trabalho de médio empresário, por  defender tanto a cloroquina e criticar a “grande imprensa”, nem percebeu ao abrir o portão que as luzes da casa estavam apagadas; só depois que abriu a porta e dera uns três passos adentro. O que teria acontecido?  Ligou as luzes. Silêncio e escuridão por toda a casa. Dirigiu-se à cozinha. Vislumbrou, fixado com um imã na porta da geladeira, um bilhete em letras garrafais:

“Evaristo, decidi me separar de ti. Não  aguentava mais  com esse tal leite condensado do presidente e  este teu fanatismo maluco.  Semana que vem o advogado entrará em contato para negociamos a separação.”

A princípio, o bolsonarista raiz, sentiu os olhos lacrimejarem. Se o Excelso Presidente estivesse ali em sua frente certamente diria: “homem não chora; chorar é coisa de maricas”. Engoliu o choro.

Pegou no barzinho uma garrafa de uísque;  na geladeira, uma caixinha de leite condensado. Misturou ambos em um copo grande e começou a beber.

Vald Ribeiro 

O texto acima é uma obra de ficção, cujo pano de fundo são as informações veiculadas nas plataformas de jornalismo entre os dias 25 e 26 de janeiro. Os personagens Letícia e Evaristo são fictícios.

Tags: amorpolíticasociedade
Pin
Anterior

O Exército está flopando

Próxima

Novidade na poesia concreta brasileira: a videoantologia “Poesias Multileituras de Paulo Esdras”

RELACIONADOS

Crônica de Machado de Assis publicada no dia 02 de março de 1873
Capsula do tempo

Crônica de Machado de Assis publicada no dia 02 de março de 1873

O homem que vendia tornozeleira eletrônica no trem
Crônicas

O homem que vendia tornozeleira eletrônica no trem

Nanoamor
Crônicas

Nanoamor

O Exército está flopando
Crônicas

O Exército está flopando

A era de aquário começou com a posse de Biden.
Crônicas

A era de aquário começou com a posse de Biden.

O silêncio  do Excelso Presidente da República
Crônicas

O silêncio do Excelso Presidente da República

Próxima
Imagem: divulgação

Novidade na poesia concreta brasileira: a videoantologia "Poesias Multileituras de Paulo Esdras"

Please login to join discussion
Sem resultado
Ver todos os resultados
  • CAPA
  • Crônicas
  • PoeticaMente
  • Clássicas
  • Amor
  • Política
Política de privacidade - Expediente -

© 2020 Palavras! - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Sem resultado
Ver todos os resultados
  • CAPA
  • Crônicas
  • PoeticaMente
  • Clássicas
  • Amor
  • Política

© 2020 Palavras! - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS