Gibi
Hoje, na banca, enquanto eu pagava o jornal e conversava com o jornaleiro, vi uma menina de uns oito ou dez anos se dirigir ao meu interlocutor e perguntar:
— Moço, já chegou o novo gibi da Turma da Mônica?
Confesso que fiquei duplamente feliz. Primeiro porque, mesmo em meio a toda esta parafernália cibernética, ainda existem crianças que leem gibis; depois porque a menina não pediu um mangá da Turma da Mônica — como um dia desses vi um rapazinho pedindo ao jornaleiro “um mangá do Mickey”. Achei — e acho — absurdo alguém chegar ao cúmulo de chamar a nossa tradicional revista em quadrinhos de mangá. Tudo bem que se trata de uma espécie de revista em quadrinhos, mas são coisas bem diferentes! A começar pela forma de leitura. No gênero japonês, inicia-se a leitura da última página para a primeira e do lado direito para o esquerdo; bem diferente das nossas HQs. Além disso, há diferenças substanciais nos tipos de personagens e no enredo. Então, não há graça, nem lógica trocar os nomes! A apenas o gênero nipônico, o nome mangá! Não combinaria chamá-los por aqui de gibi — seria também uma afronta!
Como eu ia escrevendo: fiquei feliz ao ouvir a palavra “gibi”. Aliás, duplamente feliz! Há alguns anos que não ouvia tal palavra. Gibi foi a palavra mágica que me abriu a porta para o mundo da leitura. Quando eu tinha quatro anos, meu fascínio pelas revistas em quadrinhos era tão grande que meus pais tiveram que violar um dos dogmas da igreja evangélica em que congregávamos — a igreja considerava pecado a leitura de gibis — e comprar revistinhas em quadrinhos para mim. Quando entrei na escola, fiquei apenas o primeiro semestre na alfabetização. A minha ganância era tanta para aprender logo a ler, que no primeiro semestre eu já estava alfabetizado e fui transferido, no segundo semestre, para avançar melhor no primeiro ano. Tudo por causa dos gibis! Aos gibis atribuo meu gosto pela leitura. Graças a eles transformei-me em um dependente químico da literatura! Já aos 12 anos dirigia meus passos de leitor para o mundo dos livros de contos, romances, crônicas e poesias.
Gibi! Que eufonia! Seria cacofônico se a menininha chegasse ao jornaleiro e pedisse; “Tem a revista em quadrinhos da Turma da Mônica?” Ou “ Tem a HQ da Turma da Mônica? ” Ou, a mais terrível de todas: “Tem o mangá da Turma da Mônica? ”
Ainda bem que existe a palavrinha gibi! É mais gostoso pronunciar! Não fosse o jornalista Roberto Marinho, o fundador da Rede Globo — não teríamos essa palavrinha delicada e de boa pronúncia para designar as histórias em quadrinhos aqui no Brasil. Eu conto! Em 1939, oesse célebre jornalista lançou uma revista em quadrinhos chamada “Gibi”. Como a revista caiu no gosto popular, as revistas em quadrinhos, por empréstimo linguístico popular, passaram a ser chamadas de gibi.
E, se em vez de gibi os brasileiros denominassem essas revistas de “tico-tico”? “O Tico-tico” era o nome da primeira revista brasileira em quadrinhos dedicada ao público infanto-juvenil. A revista começou a circular em 1905. Aliás, foi nesta revista que o famigerado camundongo Mickey Mouse estreou por aqui em 1930. Então, com tanto tempo de circulação, bem que o nome “tico-tico” poderia ter “pegado” como sinônimo de revistas em quadrinhos. Já pensou se fosse tico-tico? “Tem a tico-tico aí da Turma da Mônica? ”; “ Você já leu o tico-tico do Tex? ”; “ Comprei hoje a tico-tico do Pato Donald!”; “Alguém tem a tico-tico da Turma do Pererê?”. Pensando bem, a pronúncia não seria tão plausível! Gibi é mais sonoro. Que essa palavrinha continue como designativo de revista em quadrinhos no Brasil, mesmo que esse gênero esteja desaparecendo nas bancas de jornais.
Vald Ribeiro